A Procuradoria-Geral da República (PGR) não esperou 24 horas. O meu artigo de ontem, A AUDIÇÃO A HIGINO CARNEIRO E A MAKA DAS VIATURAS, mal tinha aquecido as redes sociais, e já a PGR corria a emitir um comunicado apressado. “Tem de ser urgente para desmentir isso”, ordenou o chefe. Quem lê depressa pensa que é zelo institucional; quem lê devagar percebe que é apenas pânico mal disfarçado.
O alvo da operação era óbvio: tirar Adriano Mendes de Carvalho dos holofotes. A PGR veio afirmar, com a postura de quem lê um manual, que o actual governador do Zaire “não é o denunciante nem o queixoso no processo-crime n.º 48/2020”. Uma negação tão limpa, tão rápida e tão conveniente, que quase parece escrita num gabinete político. Não num Ministério Público.
O problema é que este gesto de “transparência” não corresponde ao que dizem as nossas fontes — fontes internas, que conhecem os corredores antes de os comunicados serem polidos. Não corresponde aos factos. E, pior ainda, não corresponde às normas legais.
Mesmo que Adriano Mendes de Carvalho não fosse o denunciante, não cabe à PGR vir a público confirmar ou negar o envolvimento de um cidadão num processo que está em segredo de justiça. O segredo de justiça não é uma cortina que se abre quando convém e se fecha quando convém mais ainda. Ou vale para todos, ou não vale para nada. Em Angola, porém, a lei é um origami: dobra-se sempre para o lado que mais convém ao poder.
E se Adriano nada tem a ver com o assunto, por que não falou ele próprio? Por que não pediu contraditório ao Carlos Alberto? Tem o meu contacto, recebeu o artigo directamente via WhatsApp, leu e ficou em silêncio. Curioso: não fala o visado, fala a PGR. Desde quando o Ministério Público se tornou porta-voz de governadores ou de ex-administradores municipais?
Mas o enredo escurece ainda mais. Apertem os cintos. Estão apertados?
Se a PGR teve a prontidão de negar isto, por que não esclareceu aquilo que realmente importa?
Quem é o queixoso?
Desmentir sem esclarecer é acender uma lanterna num túnel e mandar o país acreditar que é dia.
E há outro silêncio que pesa como chumbo: a PGR não desmentiu que a notificação entregue a Higino Carneiro tenha sido levada por oficiais do SINSE, acompanhados por um procurador. Isto não é um detalhe burocrático: é um colapso institucional. O SINSE não é carteiro judicial. Quando os serviços secretos passam a entregar notificações a arguidos, o Estado deixa de ser Estado e passa a ser um filme de espionagem de baixo orçamento. E a PGR cala-se — porque sabe que este detalhe derrubaria a credibilidade de toda a instituição.
E o festival das omissões continua: Por que motivo a PGR não negou que as pessoas que citámos ontem receberam efectivamente as viaturas?
Porque aí já não se trata de proteger Adriano; trata-se de proteger quadros do MPLA. E, nesse capítulo, o silêncio é ouro. Ouro político.
Enquanto isso, nos bastidores…
Enquanto o MPLA inaugurava hoje, quarta-feira, 10, a sua nova sede, Higino Carneiro passava o dia inteiro novamente na PGR, desta vez em audição no âmbito do processo do Cuando Cubango — o famoso processo n.º 46/19. A “imprensa pública” já não fez a mesma cobertura de ontem. Publicitou o processo de Luanda mas não publicitou o processo do Cuando Cubango. Coincidência?
Segundo as nossas fontes, a calendarização desta audição não foi inocente: teria servido, de forma muito conveniente, para afastá-lo da cerimónia de inauguração, onde a sua presença se tornaria politicamente desconfortável para algumas sensibilidades internas do partido. “O Presidente do partido não queria vê-lo lá para não ser ofuscado”, desabafa uma fonte.
E o mais curioso?
Ninguém — absolutamente ninguém — falou dos beneficiários das viaturas.
Nem a PGR.
Nem o MPLA.
Nem a “imprensa pública”.
A TPA, a RNA e a Angop estiveram na cerimónia, microfones em riste, câmaras alinhadas, operadores atentos ao script, um Telejornal que dedicou cerca de 30 minutos só para a nova sede do MPLA mas, quando chegou a hora de fazer jornalismo, optaram por “férias editoriais”.
A pergunta óbvia — aquela que qualquer repórter sério faria — ficou por fazer: Por que razão os beneficiários das viaturas não fazem parte do processo-crime da PGR? E estavam lá todos hoje na nova sede do MPLA. Nenhum jornalista questionou sobre as viaturas. Coincidência?
Um silêncio assim não é, claramemte, coincidência. É direcção editorial “modo propaganda” para dar a entender que o MPLA já venceu as eleições de 2027, com a nova sede, como se paredes, betão, novas tecnologias, microfones embutidos e ares-condicionados de luxo convencessem o eleitorado.
Actualização da lista das viaturas
Voltemos ao comunicado da PGR.
O que disse mesmo? Que Adriano Mendes de Carvalho não é o quê?
E a viatura que ele também recebeu quando era administrador do Icolo e Bengo?
Vamos às viaturas, então.
Não era para actualizar a lista agora, mas já que a PGR está na senda dos “desmentidos”, actualizamos a lista da Primeira Temporada (1 a 9) com a da Segunda Temporada (10 a 20):
1. Mário Pinto de Andrade – então 2.º Secretário de Luanda; actual Secretário para a Reforma do Estado do MPLA.
2. Esteves Hilário – actual Secretário para Informação e Propaganda do MPLA.
3. Mara Quiosa – actual Vice-Presidente do MPLA.
4. Dionísio da Fonseca – então vice-governador de Luanda; actual ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República.
5. Sérgio Luther Rescova – então Secretário Nacional da JMPLA.
6. Milca Caquesse – activista social; actual administradora municipal das Ingombotas.
7. Naulila André – actual administradora municipal do Kilamba Kiaxi.
8. Nelson Funete – ex-administrador do Icolo e Bengo.
9. Isaías Domingos da Cunha Mateus (Isaías Kalunga) – presidente do CNJ.
10. Fernando Cardoso – Administrador da Maianga.
11. Mariana Domingos – Administradora municipal da Samba.
12. Francisco Naval – Administrador do Rangel.
13. Ana de Sousa – Directora para a Gestão Urbana (Prado).
14. Josina Martins – Vice-presidente na CACL (V8).
15. Ermelindo Pereira – Director da ELISAL (V8).
16. Mateus da Costa “Godó” – Administrador de Belas (V8).
17. Amélia Rita – Vice-presidente da CACL (V8).
18. Carlos Cavuquila – Administrador municipal de Cacuaco (V8).
19. Nelson Cardoso – Quadro do MPLA (Prado).
20. Adriano Mendes de Carvalho – Administrador do Icolo e Bengo à época (V8).
Os cargos dos últimos são à epoca (2016-2017), mas a lista ainda vai ser actualizada. Calma! Os dados continuam a chegar. O artista está vivo.
Quem é o número 20 desta lista mesmo?
Ah, sim: o mesmo que a PGR diz não ser o denunciante nem o queixoso. Filme com grande suspense.
Todos estes nomes beneficiaram de viaturas, segundo as fontes, num período em que Higino Carneiro acumulava a presidência da Cidade de Luanda e o cargo de governador da província de Luanda.
É um elenco digno de uma temporada inteira. E esta lista, como todas as listas importantes em Angola, não chegou completa nesta segunda versão. A verdade vem sempre por episódios — e este país tornou-se especialista em temporadas políticas intermináveis.
Isto para dizer que a PGR pode continuar a escolher o que desmente. Mas o país continuará a ouvir aquilo que ela não desmente. E é nesse silêncio que mora a verdadeira história.
Carlos Alberto
Jornalista e Director do Portal “A DENÚNCIA”
+244 923 570 539 (WhatsApp)
10Dez25
