Hibrain Traoré é, talvez, a figura política africana que mais alimenta, hoje, a imaginação colectiva de uma juventude sedenta de soberania e identidade africana:
1 – Muitos jovens africanos, exaustos após décadas de dependência, envergonhados por líderes déspotas e corruptos, e saturados da constante interferência externa, projectam em Hibrain Traoré a ilusão — ou talvez a última esperança — do velho sonho dos Estados Unidos de África.
2 – No entanto, é preciso olhar para esta figura com mais lucidez e menos romantismo, ou pior ainda, fanatismo.
3 – Traoré não chegou ao poder através de eleições. Chegou ao poder pela via militar, e isso, por si só, já levanta sérias preocupações sobre autoritarismo e democracia.
4 – Apesar disso, nas redes sociais assiste-se a uma autêntica campanha de endeusamento: estrategas de comunicação, activistas pan-africanistas, influencers e até jornalistas alinham-se num esforço quase religioso para o transformar numa lenda viva — alguém que não pode ser questionado.
5 – Infelizmente, esse esforço nem sempre é honesto. Muitas vezes recorre-se à manipulação, à desinformação, às fake news, a comparações absurdas, e à completa ausência de pensamento crítico. É fanatismo disfarçado de resistência.
6 – Poucos têm a coragem de fazer as perguntas realmente importantes:
Como está a situação dos direitos humanos sob este regime militar?
Existe liberdade de imprensa?
Onde estão os sinais concretos de que haverá eleições?
7 – O silêncio em torno destas questões fundamentais é ensurdecedor — e profundamente preocupante.
8 – Parece que, perante o fracasso repetido da democracia liberal no Sahel e em grande parte de África, muitos se resignaram a aceitar qualquer alternativa — mesmo que essa alternativa seja uma ditadura militar.
9 – Por sorte, o socialista Kwame Nkrumah, um dos maiores pensadores africanos do século XX, já tinha deixado o aviso: regimes militares são perigosos.
10 – E a história acabou por lhe dar razão. Traoré prometeu eleições. Hoje, evita o assunto. E isso, por si só, diz muito…
11 – No entanto, independentemente de considerarmos Traoré um ditador, um populista, ou um novo líder pan-africano, uma coisa deve ser clara: o futuro do seu regime é responsabilidade dos africanos — e só dos africanos.
12 – Basta de intervenções externas. Basta de soluções impostas por “deuses” estrangeiros.
13 – Se Traoré tiver de ser responsabilizado, que seja pelos seus próprios irmãos africanos. O Ocidente não tem qualquer autoridade moral, muito menos legitimidade histórica, para decidir o destino de África — como tragicamente fez na Líbia, com Kaddafi.
14 – Sim, Kaddafi era um ditador. Mas era o ditador dos líbios. E a sua queda, patrocinada por potências externas, só trouxe caos, guerra e sofrimento.
15 – Repetir esse erro com Traoré seria trágico. Ele deve, sim, ser chamado à razão — lembrado da sua promessa de eleições — mas pelos africanos. Só por eles.
16 – África não precisa de salvadores estrangeiros. Precisa de líderes que respondam perante os seus povos — e de povos que tenham coragem de exigir essa responsabilidade.
Por: César C. Chiyaya