Em causa, está mais de 1,7 mil milhões de euros e cerca de 44 mil milhões de kwanzas parte do endividamento de Angola com estrangeiros em obras públicas, projectos solares e infra-estruturas urbanas, todos atribuídos sem concursos públicos ao grupo MCA – Manuel Couto Alves, por decisão directa do Presidente João Lourenço.
REDACÇÃO
A investigação do O Decreto apurou que as obras de protecção e estabilização das encostas da Boavista, no Sambizanga, a construção de infra-estruturas na Rua Ndunduma e vários outros projectos de eletrificação pagos para as províncias do Cunene, Uíge, Malanje, Bié, Moxico, Lunda-Norte, Lunda-Sul e Benguela resultaram numa dívida superior a mil milhões de euros contraída por Angola.
O grupo beneficiado pelas contratações directas é “amigo” do Presidente da República, tendo sido o MCA – Manuel Couto Alves o principal contemplado.
Segundo especialistas ouvidos pelo O Decreto, em muitos casos, empresas estrangeiras trazem financiamentos externos que são aceites por João Lourenço sem passar pelo crivo do Parlamento. Desta forma, o Presidente recorre à contratação directa, favorecendo frequentemente empresas próximas a si. Por vezes, são os próprios financiadores estrangeiros que impõem a empresa com quem pretendem trabalhar.
Com esta prática, João Lourenço tem construído o seu “xadrez de bilionários”, aceitando propostas que mergulham o país em dívidas avultadas. No fim do dia, quem paga a factura são os angolanos — não o Presidente. Analistas lamentam que, enquanto o povo sofre, o dinheiro público é entregue a empresas de amigas ligados ao poder, sem qualquer transparência.
Sete Despachos Presidenciais publicados no Diário da República entre 2017 e 2025 confirmam que o grupo MCA arrecadou mais de 1,7 mil milhões de euros e 44 mil milhões de kwanzas em adjudicações directas (sem contratos públicos).
Destaques de contratos adjudicados ao grupo MCA:
Em 2022, foi celebrado um contrato de 1,02 mil milhões de euros para electrificar 60 comunas com sistemas híbridos de energia.
Em 2024, novas adendas foram assinadas para expandir estes projectos nas províncias de Malanje, Bié, Moxico, Lunda-Norte e Lunda-Sul, novamente sem concurso público.
Em 2024, o Despacho Presidencial n.º 130/25 autorizou o Ministério da Energia e Águas a celebrar contrato de 2.742.046,00 euros com a M. Couto Alves – Vias, S.A. para instalação de painéis solares no Bailundo, Benguela, Biópio, Kuito, Lucapa e Saurimo.
Outros contratos atribuídos ao grupo:
Despacho n.º 110/13: Construção de infra-estruturas nas cidades do Uíge e Negage, no valor de Kz 5.547.801.228,13.
Despacho n.º 77/14: Obras na Rua Ndunduma (ex-FAPLA), no valor de Kz 1.740.000.000,00.
2.ª Circular Luanda–Kifangondo/Funda/Catete: Adjudicação de Kz 19.900.000.000,00.
Estrada Ondjiva–Cuamato–Naulila: Reabilitação no valor de Kz 9.690.000.000,00.
Estrada Luena–Luéa–Lumeje: Reabilitação no valor de Kz 7.425.000.000,00.
João Lourenço é Presidente de Angola desde 2017, sucedendo a José Eduardo dos Santos. O grupo MCA opera no país desde 2013, mas as grandes adjudicações sem concurso intensificaram-se na sua governação. As dívidas geradas por contratos com o grupo ultrapassam já mil milhões de euros, segundo dados oficiais.
O Decreto tentou apurar quem beneficiou da obrigatória participação nacional de 10%, prevista por lei nos contratos com empresas estrangeiras até 2017. Contudo, não encontrou qualquer registo público. O grupo MCA não esclareceu se cumpriu o Decreto Presidencial n.º 127/03, de 25 de Novembro, que exigia a associação a empresas angolanas, garantindo uma participação mínima nacional.
Apesar disso, o grupo MCA negou, num comunicado recente, qualquer ligação ao actual Executivo de João Lourenço.
Entretanto, a nossa investigação confirma que o grupo MCA, por meio das suas subsidiárias MCA Deutschland GMBH e M. Couto Alves – Vias, S.A., foi beneficiado com múltiplos contratos milionários por ajuste directo com o Estado angolano.
Até ao fecho desta matéria, o grupo MCA não respondeu ao pedido de contraditório enviado pelo O Decreto, apesar de ter sido dado um prazo de cinco dias úteis.
Quem é Manuel Couto Alves
Manuel Couto Alves é Presidente do Conselho de Administração do grupo MCA. Representa a terceira geração de uma família empresarial portuguesa ligada à construção civil. Entre 1986 e 1998, foi sócio do Grupo ACA. Fundou o grupo MCA em 1998, liderando a sua expansão internacional. Foi Presidente Não Executivo entre 2021 e início de 2023, retomando depois funções executivas.
Principais Colaboradores:
Carlos Amado – COO de Energias
Elisabete Alves – COO de Infra-estruturas Internacionais
Paulo Oliveira – CFO
Vítor Hugo Lima – COO de Infra-estruturas Ibéria
Fernando Marques da Costa – Membro não executivo
Luís Amado – Membro não executivo
De recorder que em 2025, a dívida externa angolana está estimada entre 46 e 47 mil milhões de dólares.
O DECRETO