Emanuel Madaleno é uma figura poderosa, accionista maioritário do Deskontão, sócio de nomes grandes da plutocracia angolana, com mais de 56% do capital do BIR, dono do semanário de negócios Expansão e detentor de inúmeros negócios em Portugal, entre muitas outras ligações. O milionário, porém, não está satisfeito e exige pagamentos à mãe, que processou em tribunal.
A dois meses de completar 83 anos, Generosa Madaleno encosta-se à parede do corredor do Tribunal de Belas, trémula, apoiada nas suas muletas. O seu estado de saúde é frágil, com o grau mais elevado de hipertensão. Não tem um lugar para se sentar enquanto aguarda pelo seu julgamento, que tarda. Sente dores lancinantes causadas pelo desgaste das cartilagens do joelho. A anciã é obrigada a esperar fora do tribunal, sentada no carro. No dia seguinte, terá de enfrentar um longo interrogatório pelo Serviço de Investigação Criminal (SIC).
Este é um caso insólito. O queixoso é o seu próprio filho, o empresário Emanuel Jorge Alves Madaleno, cuja fortuna está avaliada em mais de 100 milhões de dólares, como se ilustrará no final do texto. A causa é o vil metal.
Vejamos os factos.
O julgamento
A 27 de Novembro passado, o julgamento da anciã decorreu na Sala do Cível da Comarca de Belas, sob a presidência do juiz Paulo Henriques.
Emanuel Madaleno pede ao tribunal que ordene a celebração de escrituras de cinco residências no Condomínio Adelaide, no Talatona, que afirma ter comprado à Gestim – Gestão Imobiliária, inicialmente propriedade dos seus pais, Carlos (falecido há dois anos) e Generosa Madaleno. Trata-se de uma residência de cinco quartos, no valor de 2,9 milhões de dólares e quatro de cinco quartos, avaliadas em 1,94 milhões de dólares cada, no valor total de 10,66 milhões de dólares. Em 2008, em época de dolarização, os contratos podiam ser celebrados e honrados em dólares e as moradias foram entregues no ano seguinte.
Na sua Acção Declarativa Constitutiva, Emanuel Madaleno, representado pelos advogados Manuel e Djamila Gonçalves, pai e filha, alega que efectuou pagamentos superiores ao valor da dívida, num total de 11,978 milhões de dólares à ré. Logo, reclama, para além da celebração da escritura das moradias, a devolução de três milhões de dólares resultantes de pagamento excedentário. Aqui, as contas de somar e subtrair não parecem bater certo, mas os advogados não são matemáticos. Assumindo que o valor arredondado de 12 milhões tenha sido pago, o excedente em relação ao valor contratual seria de 1,3 milhões de dólares.
Todavia, a 6 de Outubro de 2022, o primeiro bastonário da Ordem dos Advogados de Angola (OAA), Manuel Gonçalves, escreveu aos advogados da Gestim com uma descrição minuciosa dos valores pagos, com datas e números de referência, de um total de seis imóveis. O sexto imóvel é objecto da queixa-crime junto do SIC, contra Generosa Madaleno, por crime de esbulho violento e furto, como adiante se verá.
Uma análise minuciosa dos pagamentos traz revelações extraordinárias. Emanuel Madaleno e Manuel Gonçalves certificam que os primeiros pagamentos para a compra dos imóveis foram efectuados a 24 de Junho de 2004 (ref. PA050624 27794) e 28 de Abril de 2005 (ref. PA0504428 16951), no valor de 600 mil dólares. O queixoso alega que pagou um total de 14 milhões de dólares e reclama um crédito de 198,757 milhares d
e dólares. Como se explica a contradição destes números?
Carlos de Oliveira Madaleno apenas adquiriu o terreno para a construção do condomínio, a 3 de Julho de 2006. Por sua vez, a Gestim, a promotora imobiliária, foi constituída um mês depois, a 9 de Agosto de 2006, tendo como sócios apenas o casal Carlos e Generosa Madaleno.
Logo, como é possível terem sido feitos pagamentos a uma empresa então inexistente e por casas num condomínio sem terreno?
Ademais, a lista detalhada de pagamentos elaborada e assinada por Manuel Gonçalves indica que o último pagamento para a liquidação da dívida foi efectuado a 29 de Maio de 2013, no valor de 19 milhões de kwanzas, então equivalentes a 200 mil dólares.
Mas, a 8 de Agosto de 2016, passados três anos, a empresa Porta da Frente, na qualidade de compradora dos imóveis em disputa, informou por escrito, à Gestim, que efectuaria pagamentos semestrais para a liquidação das dívidas relativas a três das residências, “até ao final do ano de 2017”. Das provas submetidas pelo escritório de Manuel Gonçalves não constam pagamentos feitos em 2016 nem em anos subsequentes.
AGT detecta fraude
A 12 de Março de 2024, a Quarta Repartição Fiscal da Administração Geral Tributária (AGT) comunicou à Gestim – Gestão Imobiliária que havia recebido, no mês anterior, a solicitação de pagamento de Imposto Predial sobre as transmissões onerosas de sete moradias no Condomínio Adelaide, as mesmas objecto de litígio no tribunal e mais duas. A AGT procedeu com o averbamento da matriz predial de cada uma das residências, mas notou a duplicação de pedidos de proprietários diferentes para uma das residências.
Trata-se da moradia adquirida à Gestim em prestações, na altura, pelo comissário-chefe Paulo de Almeida, antigo comandante-geral da Polícia Nacional.
Feitas as investigações, a AGT concluiu que os documentos apresentados por Emanuel Madaleno “são fraudulentos e que os cidadãos que se declaram proprietários dos imóveis não o são”.
Com efeito, a AGT anulou, segundo os seus procedimentos, as declarações de pagamento do imposto em causa e as matrizes prediais averbadas. O chefe da Repartição Fiscal Edson da Graça Paulo Pinto assinou o documento.
Segundo o Código Penal, em Angola a fraude e falsificação são crimes com várias formulações legais. Mas, não há informação de qualquer acção judicial contra Emanuel Madaleno, por suspeita de fraude.
A versão da mãe
Durante a audiência, a viúva questionou-se: “Quanto custa a uma mãe parir e criar um filho?”; “Como é que não se valoriza uma mãe?”; “Uma mãe é lixo perante o filho?”
Generosa afirmou que os contratos apresentados como provas pelo seu filho Emanuel Jorge Madaleno são falsos e chamou-o de “mentiroso compulsivo”. De acordo com a sócia da Gestim, até à data Emanuel Madaleno apenas pagou quatro milhões dos 10,66 milhões de dólares acordados.
Na qualidade de sócia da Gestim, a ré submeteu ao tribunal os contratos que diz serem originais, celebrados em 2008. Estes estão assinados pelo seu filho caçula, Herlander Madaleno, em nome da Gestim. Da parte da promitente cessionária (compradora), assinaram os sócios-gerentes Francisco Gonçalves de Almeida Feijó Júnior e Rui Patrício Rodrigues Vieira, da empresa Porta da Frente. Supõe-se que estes sejam os testas-de-ferro de Emanuel Madaleno. Esses contratos foram redigidos e acompanhados pelo advogado Paulo Antunes, que reside no mesmo condomínio e actualmente serve como presidente da Assembleia-Geral do Banco BIR, de Emanuel Madaleno.
Por sua vez, os contratos ora denunciados como falsos mantêm o conteúdo legal, mas são assinados por Carlos de Oliveira Madaleno, pela Gestim, e por Emanuel Jorge Alves Madaleno, como comprador singular.
Generosa Madaleno reiterou que o seu falecido esposo apenas assinou um contrato em nome da Gestim, com a Mota-Engil, para a construção do Condomínio Adelaide. Referiu que a família só teve contacto com a alegada falsificação da assinatura do seu marido e dos contratos em Fevereiro passado, na decorrência da acção judicial.
A família aponta o nome de Francisco Feijó Júnior como o suposto perito na falsificação das assinaturas de Carlos Madaleno, que o adoptou em 1971 e sempre o colocou a trabalhar consigo, desde o período colonial.
Durante a audiência, a mãe chora, muito. Lembra-se de ter sido julgada e condenada duas vezes, em 1971, na época colonial, como terrorista. O seu crime foi ter defendido as quitandeiras contra as suas vizinhas brancas, que adulteravam o peso das balanças para as vigarizarem na compra de frutas, legumes, peixe e outros produtos alimentares. Defendeu-a em tribunal a conhecida advogada dos nacionalistas, Maria do Carmo Medina. A revolução do 25 de Abril de 1974 extinguiu a sua pena.
A casa-crime
Depois de cerca de três horas em tribunal, no dia seguinte, a 28 de Novembro, a anciã Generosa Madaleno teve de passar mais três horas a ser interrogada pelo Serviço de Investigação Criminal (SIC) sob suspeita de esbulho violento e furto, entre outros crimes. O filho, Emanuel Madaleno, apresentou a queixa-crime nº 1336/2403.
Este caso, também sobre uma residência no Condomínio Adelaide, dirá mais sobre a facilidade e a impunidade com que se pode manipular os órgãos judiciais e atropelar as suas decisões. É o que se passa na Casa nº 31.
No ano passado, Emanuel Madaleno requereu ao Tribunal da Comarca de Belas uma providência cautelar de restituição provisória de posse da Casa nº 31, sob Processo n.º 30/23-B. Alegou que a propriedade era sua e que a mesma era alvo de violência e esbulho.
Mas foi a cidadã Maria de Fátima do Prado quem, a 8 de Outubro de 2008, assinou com a Gestim o “contrato-promessa de cessão de direito de superfície e de transmissão do direito de propriedade de edifício”, para aquisição da referida moradia, com 485 metros quadrados, pelo valor de 2,9 milhões de dólares. Pela Gestim, assinou o caçula do casal Carlos e Generosa, Herlander Madaleno.
Conforme documentação disponível, Maria do Prado pagou um total de 2,03 milhões de dólares, sem nunca ter liquidado os remanescentes 870 mil dólares, exigência incondicional para a entrega da casa e respectiva escritura. Todavia, recebeu a moradia em 2009 e trespassou-a de seguida, sem documentação legal, a Rui Pires Gomes Pinto – cunhado de Emanuel Madaleno – por exactos 870 mil dólares.
Os novos “donos” arrendaram logo a Casa nº 31 à UNITEL, durante seis anos, por um valor total de um 1,08 milhões de dólares. Outros inquilinos se seguiram.
A Gestim, frustrada por várias correspondências ignoradas por Maria do Prado, recorreu ao Tribunal Arbitral para reaver a propriedade, por incumprimento do contrato. A requerida nunca compareceu em tribunal, mas dirigiu-se à Gestim para informar que tinha revendido a casa a Rui Pinto.
No ano passado, uma empresa de construção iniciou obras de reabilitação da moradia, em nome de Rui Pinto. A Gestim interveio para suspender as obras.
Emanuel Madaleno apresentou às instâncias judiciais um contrato assinado por si próprio e Carlos Madaleno de compra e venda da Casa nº 31, com a data de 28 de Agosto de 2008. Mas há um detalhe. No cabeçalho do contrato consta o nome de Maria de Fátima do Prado como a compradora.
De forma surpreendente, a juíza Rosalina Mbongue, da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal de Belas, da porta ao lado do juiz João Bessa, opôs-se à sentença do colega. Decidiu realizar uma inspecção judicial, sob Processo n.º 88-23/F, sobre o imóvel cujo objecto da acção já tinha sido julgado. O escritório de Manuel Gonçalves, através da sua filha Alexandra, interveio para o efeito e acompanhou a juíza ao Condomínio Adelaide para esta realizar o seu trabalho.
Por sua vez, a 11 de Março de 2024, o sub-procurador geral da República junto do SIC, João Panguila, exarou o seguinte despacho sobre a mesma casa: “Não havendo nenhum outro indivíduo que provasse nos autos a propriedade do imóvel, até prova em contrário, deve a empresa Gestim – Gestão Imobiliária, Lda. manter a posse do imóvel.”
O despacho de João Panguila referiu também que Rui Pinto declarou aos autos não ter intenção de ocupar o imóvel e “desconhece os proprietários da empresa que fazia obra no imóvel”.
Nesse caso, nota-se claramente como a mão esquerda do SIC atropela e rasga o despacho da mão direita do SIC.
Os negócios de Emanuel
Emanuel Madaleno é uma figura poderosa nos círculos políticos e empresariais, por ser o accionista maioritário da cadeia de supermercados Deskontão, que tem como sócios o ex-ministro de Estado da Coordenação Económica e actual governador de Benguela, Manuel Nunes Júnior; o PCA da UNITEL, Aguinaldo Jaime; e o antigo porta-voz de José Eduardo dos Santos, Aldemiro Vaz da Conceição.
Em 2015, o Banco Económico perdoou uma dívida de 120 milhões de dólares à Score Distribuição, a holding que detém a totalidade do Deskontão. Essa operação permitiu reforçar a posição de Emanuel Madaleno, o único accionista que entrou para a sociedade sem capital e se tornou no seu maior accionista, com uma participação de 55%, conforme documentos consultados por esta investigação. O Deskontão vende, em Angola, os produtos da cadeia de supermercados portuguesa Pingo Doce.
O mesmo Emanuel, através da sua esposa Lígia Madaleno, também detém mais de 56% do capital do BIR. O segundo maior accionista deste banco, com 20%, e testa-de-ferro do ministro dos Transportes, Ricardo de Abreu, é João Henriques Pereira, seu primo. O outro sócio, o
poderoso empresário brasileiro-angolano Minoru Dondo, conhecido pelas suas estreitas relações com a anterior família presidencial, o clã Dos Santos e o actual clã de Lourenço. Lígia Madaleno é a presidente da Comissão Executiva do Banco BIR.
No domínio da comunicação social, o empresário é o dono do semanário de negócios Expansão e controla o semanário Novo Jornal, cuja propriedade também é alvo de batalhas nos corredores do poder judicial e político.
Já em Portugal, onde é detentor de inúmeros negócios, o empresário tem 80% da empresa Cofaco, a produtora de enlatados de atum, sardinhas e outras iguarias representadas pelas marcas Bom Petisco, Bom Amigo, Pitéu, etc. A aquisição deste negócio foi realizada com um empréstimo de 20 milhões de euros do então Banco Espírito Santo (BES Portugal), que, ao que se sabe, nunca terá sido pago.
Por Casimiro da Silva
LIL PASTA